Fernanda Maciel participa na 1ª prova de Ultra-Trail organizada no Japão e conta-nos como foi!

30-05-2012 21:44

 

Fui barrada no aeroporto de Barcelona, não me deixaram embarcar para Tokyo. Desesperada,
ligando para as embaixadas, eu não acreditava que precisava do visto de turista. Pesquisei
no site espanhol ao comprar minha passagem pela internet: “Españoles no necesitan visa
de turista para entrada en Japón. Latino America (Argentina, Chile, Uruguay, México, Peru,
Equador...) tanpoco”. E a senhorita da Cia Aérea dizia: Tu eres brasileña, creo que hay que
tener visa y mucho dinero en la maleta..rsrsr. Que raiva e que preconceito. A Cia Aérea fez
inúmeras ligações e eu também ao Japão para esclarecer o tema: Brasil, Colômbia e Venezuela,
são exceções e é obrigatório o visto. Merda. Voltei para casa (2h de carro) e passei o fim de
semana recolhendo papéis necessários e na segunda às 2h30 da madrugada voltei à maratona
pelo visto japonês. Não vou dizer quantos aviões, ônibus, metrôs, horas de carro fiz porque
vocês me taxariam como louca ou bem animada. O importante é que para mim tudo valia
a pena para estar correndo numa alta montanha japonesa. Em 20 minutos na Embaixada
Japonesa em Madrid consegui o carimbo e às 18h00 da terça cheguei a Tokyo! Depois de
uma secção pesada de fotos, vídeos, treinos e entrevistas pelos Parques de Tokyo, nada tão
motivador, depois de 20 horas viajando, cheguei à Kawaguchi-ko! Estava aos pés da montanha
mais alta: Monte Fuji! Estava nevado pela metade, uma maravilha!
Às 10h00 do sábado era a largada da minha prova STY ULTRA TRAIL MONT FUJI (82km +
4.209m) com 1.200 corredores. Tinha fichada três corredoras de Hong Kong e uma japonesa
que estavam comigo no mesmo hotel (também convidadas pela organização do evento). Sabia
que eram as atletas com mais experiências em Ultras de 100km dali. Comi meu último sushi
gigante, escutando o som dos tambores que tocavam os japoneses com tangas de sumô e me
posicionei ao lado esquerdo da linha de largada de cara para o Fuji.
 
Como foi a primeira edição, apenas existia uma estimativa de tempo do suposto melhor
corredor. Peguei estes tempos como base e escrevi no meu braço para ter uma idéia de
tempo/km/velocidade. O início da prova eram 18km até Kitaywama por bosques japoneses.
São bosques com folhas secas caídas que escondem o tipo de terreno, com raízes traiçoeiras e
galhos soltos, mas são bonitos e nos protegem do sol por serem fechados. Neste tramo baixei
em 5 minutos o tempo do “suposto melhor corredor”, o próximo tramo eram 10km até o
primeiro check point em Nishi-Fuji e consegui manter o tempo do mais rápido. Ali tive acesso a
minha bolsa com barrinhas, gels e isotônico. E quem fazia meu apoio, era a francesa Catherine
Poletti (organizadora da Ultra Trail du Mont Blanc) junto a japonesa Pauline (organizadora da
Mont Fuji). Uma grande honra ter estas duas mulheres ali comigo.
 
Ao sair deste ponto de apoio, me pararam para mais um check oficial de material. Item por
item tive que sacar de dentro da mochila e, tudo ok. Depois de tudo conferido, começava a
parte mais dura da prova, subir à 2000m de altura em apenas 27km, sendo obrigatório o mapa
e a bússola neste tramo, demorei 4horas correndo e escalando com apoio de cordas para
chegar até o topo, desidratada, não tinha mais água e nem forças. Que duro, eram pedras
molhadas, raízes que saíam do solo, lama, tudo isto num single-track bem estreito, difícil
para ultrapassar corredores. Tive câimbras nos meus tríceps do braço de tanto empurrar
minhas coxas na intenção de ganhar velocidade nas passadas das pernas. Neste tramo você
via japoneses sentados ao lado da trilha, vomitando ou dormindo, todos largados por ali. Eu
 
tinha anotado o tempo de 4h30 para o “suposto melhor corredor” neste tramo, e eu apenas
para subir gastei 4h. Foi um pesadelo de percurso para meu psicológico, não consegui admirar
tanto as belezas desta montanha, na verdade não podia perder o foco de olhar pro chão. Mais
1h30 para descer, aqui sim curtir as descidas. Eram muito técnicas, eu tinha que me apoiar nos
cipós e me lançar até outra árvore, a trilha escorregava demais, era sempre obrigatório o uso
das mãos como mais um apoio. Motosu-ko foi mais um ponto de apoio para reabastecer e já
faltavam pouco: 13km até Narussawa, que tinha uma parte muito feia ao lado de uma estrada
de asfalto, e mais 14km à Kawaguchi-ko. Delicioso percurso com trilhas mais largas dentro de
bosques úmidos e com uma subida infinita de 450m e uma descida estranha com escadarias
estreitas de plásticos e outras de madeira com fincos laterais que apontavam para meus pés.
Todos os corredores desabafaram como muito perigoso as “killer stairs”.
 
Ao avistar as luzes das casas ao redor dos lagos de Kawaguchi-ko, a emoção e meus
particulares agradecimentos começaram a bombardear meu coração e cabeça. Minha boca
enchia d’água de pensar no banquete de sushis e sashimis que me esperavam. Meia-hora
correndo ao redor do lago de Kawaguchi-ko sentindo cada aplauso e cruzei a chegada. Como é
bom ser brasileira. Como é bom acreditar. Como é importante agradecer.
 
Obrigada Fuji por ter nos dado um dia de sol e chuva. Obrigada à organização e aos
meus patrocinadores: The North Face, Compressport e Overstims. Obrigada ao Dan,
da Compressport Japan e Powerbreathe. Obrigada aos meus apoiadores Petzl e Evoke.
Obrigadíssima em especial a minha família e a todos vocês.
 
“Sua energia e seu equilíbrio estão aí, corra na natureza”.
 
Fernanda Maciel

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